"Estou a morrer, estou a morrer."
Por mais que às vezes queira enterrar o assunto, a ansiedade sempre fez parte das minhas memórias e é algo que me envergonha. Nunca é um assunto particularmente fácil de partilhar com quem quer que seja e tenho a tendência de cada vez falar menos do assunto à medida que o tempo vai passando. Se calhar começo a habituar-me a esta sensação quase permanente de desconforto, de ansiedade (passando a redundância).
Ainda me lembro bem da primeira vez em que, enquanto tentava dormir, o meu cérebro me levou para pensamentos mais estranhos. Quando dei por mim, estava sentada na cama, agarrada ao colarinho do meu pijama e a gritar pelos meus pais porque não sabia o que se passava comigo. Estava a ter suores frios, a minha respiração acelerou de uma maneira estúpida, o meu coração desacelerou por segundos e depois batia com tanta força que parecia que me ia sair do peito a qualquer momento. Lembro-me como se fosse ontem do pânico que se instalou em casa a meio da noite, do meu pai a conduzir para o hospital o mais depressa que podia, a minha cabeça no colo da minha mãe e eu não conseguia acalmar-me por nada deste mundo. Lembro-me do pediatra, de me medirem a tensão, de me fazerem um electrocardiograma e lembro-me tão bem...
"Está tudo bem com a menina."
E como é que eu podia dizer que não estava tudo bem? Já não me sentia como me estava a sentir em casa, o meu coração já não estava acelerado e já não tinha aqueles suores frios. Não tinha nada, estava tudo bem comigo.
Depois disso seguiram-se mais episódios daqueles, embora mais nenhuma viagem para as urgências como daquela maneira. Já tinha uma máquina para medir a tensão ao pé da cama, só para o caso daquilo acontecer outra vez. Fizeram-me exames só por descargo de consciência, ligaram-me a uma máquina enquanto dormia e eu na altura não entendi para que era aquilo. Mais uma vez, estava tudo bem comigo.
Tinha seis anos quando tive um ataque de pânico pela primeira vez e demorei muito tempo a perceber o que podia estar a acontecer comigo. Porém, aqueles episódios no médico e toda a preocupação dos meus pais, fez com que eu acabasse por deixar de os chamar a meio da noite. Assim demonstrava que estava tudo bem, no fundo não havia nada que pudesse ser preocupante, por isso não havia motivo para preocupar ninguém com isso.
Aos poucos, fui falando cada vez menos dos pequenos ataques de pânico que iam acontecendo aqui e ali. Umas vezes com mais frequência, outras vezes com menos e enquanto envelhecia e ia progredindo na escola, ia dizendo que era só stress dos testes. Acho que a escola sempre foi um bom bode expiatório para culpar a ansiedade, até eu comecei a acreditar nisso. Não que faça muito sentido, mas pelo menos para mim havia um motivo, pelo menos não estava a ter aquilo só porque sim, continuava a não haver nada de errado comigo.
Continua a ser um tópico difícil para mim, muitas das pessoas que eu considero mais próximas de mim não sabem que isto acontece. Não há praticamente ninguém que saiba a frequência com que estes episódios tem vindo a acontecer nos últimos anos. Quando tinha 16, e por motivos completamente diferentes, a minha mãe levou-me a uma psicóloga e falei-lhe de tudo o que se passava comigo, menos da ansiedade. Andava a lidar com perda nos seus mais variados tipos, andava perdida, sem saber quem era, mas mesmo assim, achei que ninguém precisava de saber da ansiedade. Mesmo hoje continuo a achar que ninguém precisa de saber que tenho sempre este demoniozinho a atormentar-me e a olhar para mim no canto da sala. Já tive que mentir para sair de o pé das minhas amigas porque já sabia o que ia acontecer e não queria que elas vissem o espectáculo macabro que é um ataque de pânico. Muito menos queria lidar com a pena que elas iriam sentir por mim, nem queria que elas se sentissem obrigadas a confortar-me, quando nem eu sei como me confortar a mim mesma.
Sempre achei, e continuo a achar, que ninguém pode ver-me a ter um um ataque de pânico outra vez porque me deixa demasiado vulnerável. Mostrar vulnerabilidade, chorar, confessar que "não estou bem" já nem é uma opção, porque eu não quero ter essa opção. Só que, ao mesmo tempo, também a quero. Gostava de ter mais facilidade em falar sobre estas coisas, gostava, mas ao mesmo tempo não gostava. Já quebrei uma vez, como seria de esperar. Liguei à minha mãe em desespero e pedi-lhe para sair do trabalho e vir para casa porque não estava a sentir-me bem. Quando ela chegou a casa e me perguntou o que se passava, a resposta não foi "ansiedade", foi "ah, estou mal disposta, tonturas". Quando a vi preocupada, pensei para mim mesma que se calhar a resposta não ia justificar tê-la chamado daquela maneira e tão de repente. Deitei a cabeça no colo dela e não disse nada, foi como daquela primeira vez.
Hoje continua a acontecer, claro que continua. Continua a ser umas vezes com mais frequência, noutras alturas consigo estar uma quantidade considerável de tempo sem qualquer tipo de queixas. Continua a ser complicado para mim falar disto, nem eu sei o que resulta de cada vez que me sinto assim.
Parece estranho, de uma maneira muito simplificada, se calhar o que eu queria é que alguém olhasse para mim e soubesse logo o que se estava a passar, mesmo antes de isso acontecer. Os meus gatos adivinham, muitas das vezes em que estou em casa e vêm deitar-se aos meus pés, quase para me confortarem. Queria alguém que tivesse a intuição dos meus gatos, embora isso não seja realístico, por isso continua a estar tudo bem comigo.