quinta-feira, 15 de março de 2018

Orihime & Hikoboshi

O Tanabata é um festival japonês com origens no festival chinês Qixi, que por sua vez tem origem numa lenda que envolve as divindades Orihime e Hikoboshi, representados pelas estrelas Vega e Altair respetivamente. Tanabata tanto se escreve 七夕 na leitura chinesa ou utilizando os caracteres atuais (たなばた), mas essencialmente quer dizer "festival da estrela" ou "noite do sétimo" porque se realiza uma vez por ano no sétimo dia do sétimo mês lunar do calendário lunissolar. Assim sendo, as festividades têm início no dia 7 de julho do calendário gregoriano, tendo celebrações dispersas pelos meses de julho e agosto.

O festival foi introduzido no Japão por uma imperatriz no ano 755 e ganhou popularidade com o público em geral durante o período de Edo (1603-1868), misturando-se com a celebração do Obon.

Não estou a contar esta história só porque sim, esta introdução, apesar de curta, demorou alguns dias a escrever porque estava sempre com preguiça de pesquisar. Para além disso como eu sou uma pessoa geralmente desorganizada, já comecei a escreve isto umas seis vezes em sítios diferentes e continuo a perdê-los.
Já não me lembro ao certo qual foi a primeira vez em que ouvi falar do Tanabata, mas aquela que despertou a minha atenção foi um drama japonês. Se não me engano, estavam em cenas duas personagens femininas, uma adulta e uma criança. Na cena, estava a chover e a criança estava à janela, a adulta sugere fazerem teru teru bozu que são bonecos feitos em trapo branco trazem bom tempo, previnem e/ou param a chuva. No seguimento disso, veem-se os bonecos pendurados na varanda e a criança pergunta “Achas que este ano a Orihime e o Hikoboshi se vão encontrar?”. A personagem adulta sorri, olhando para o céu e acena afirmativamente com a cabeça.
Depois desta cena, a chuva para e nunca mais se fala da Orihime e do Hikoboshi o resto do drama, o que despertou logo a minha curiosidade que sofre de insónias e nunca chega a dormir. Quando acabei de ver a série, por lapso, esqueci-me de pesquisar sobre o assunto e quando queria pesquisar, já não me lembrava dos nomes. Passado algum tempo, voltei a ouvir falar do assunto e parei imediatamente o que estava a fazer para guardar a página da Wikipédia que agora tenho aberta para me ajudar neste post.

(Quem me conhece sabe que eu consumo tudo o que seja media japonesa em quantidades pouco saudáveis, por isso era uma questão de tempo até voltar a surgir o Tanabata)

Seguindo para o que realmente interessa: a lenda.

Orihime é o nome dado à Princesa da Tecelagem, filha de Tentei, o rei do céu ou do universo (nome literal). A princesa tecia roupas à margem do rio Amanogawa (Via Láctea) e embora recebesse muitos elogios do pai, nunca estava realmente satisfeita porque, por causa do seu trabalho árduo, não podia conhecer ninguém e não tinha esperanças de se apaixonar. Preocupado com a filha, Tentei apresenta-a a Hikoboshi (literalmente "rapaz estrela"), um pastor que vivia e tinha o seu armento do outro lado do Amanogawa. Os dois apaixonam-se à primeira vista e acabam por se casar.

Depois de se casarem, Orihime deixa de tecer para o pai, que, num acesso de raiva, separa os amantes em cada margem do Amanogawa e proíbe-os de se encontrarem. A princesa, devastada pela perda do seu marido, implora a Tentei que o deixe ver de novo. Movido pelas palavras da filha, Tentei permite que os dois se encontrem no sétimo dia do sétimo mês se ela voltasse a tecer e conclui-se o seu trabalho.

Porém, no primeiro ano em que era suposto encontrarem-se, Orihime e Hikoboshi percebem que não conseguiriam atravessar o rio porque não existia uma ponte. A princesa chorou tanto que um grupo de pegas apareceu e prometeu criar uma ponte com as suas asas para que ela pudesse atravessar o rio. Reza a lenda que se chover no Tanabata, as pegas não aparecem e os dois amantes tem que esperar mais um ano para se verem.

Por algum motivo, a história de Orihime e Hikoboshi mexeu comigo da primeira vez que a li e nunca fui capaz de me esquecer dela. Sempre que chove, sem exceção, lembro-me dos dois amantes separados por uma galáxia, dependente das condições atmosféricas e de um bando de pássaros para se poderem encontrar um dia por ano. Chuva em julho, no sítio onde eu vivo é um fenómeno estranho por ser verão, mas não duvido que noutros sítios, principalmente no hemisfério sul, não seja assim tão peculiar. Para além disso, não estou completamente familiarizada com o calendário da época das monções na Ásia, por isso não sei com que frequência choverá em julho no Japão, onde se celebra o Tanabata. Sei, no entanto, que vou começar a prestar mais atenção à meteorologia em julho e, se por algum motivo chover aqui ou do outro lado do mundo, eu própria farei um teru teru bozu para os dois star crossed lovers, mesmo que não seja uma pessoa especialmente dada a superstições.

Tendo em conta que não sou uma pessoa espiritual, religiosa, supersticiosa e que não dá grande atenção a assuntos relacionados com fé, parece um bocado parvo escrever que me importo tanto com estas divindades. Contudo, o “problema” que se mete aqui é que eu sou uma romântica incurável e que me rendo a toda e qualquer história de amor, mesmo aquelas de origem religiosa.

(Uma ressalva para a minha falta de interesse no Orlando Bloom e a Keira Knightley nos Piratas das Caraíbas, embora a história seja relativamente idêntica. O meu coração só tem espaço para uma história destas de cada vez, sorry.)

Durante o Tanabata penduram-se tanzaku, essencialmente retângulos de papel pendurados em bamboo com desejos escritos em verso. Depois do festival, o bamboo e as decorações são atiradas ao rio ou queimadas. Talvez este ano pendure um tanzaku numa árvore aqui no quintal, mas duvido que a memória me assista nisso.


Espero que este ano a Orihime e o Hikoboshi se possam encontrar.