terça-feira, 26 de abril de 2016

Retrospectiva

Às vezes dou por mim a pensar na pessoa que era há uns anos, quando o meu maior problema era saber se conseguia sair das aulas às 18:30 e estar no treino às 19h. Rapazes? Pfff, isso eram histórias de quem tinha tempo e paciência para isso e eu achava-me imune a piroseiras dessas, os ingénuos 14 de que eu tanto disfrutei. 
Começa tudo numa bela pré-época de verão, os treinos eram duros para voltarmos a estar em forma depois de dois meses de procrastinação, os jogos de treino já a bater à porta. Na altura só queria saber dos treinos bi-diários, do desporto que praticava tão apaixonadamente, visto que não tinha mais nada que fazer, mas durante o verão e com 14 anos, não seria de admirar, não é?
Agora dou por mim a pensar nos 5 anos que se seguiram, sentada à frente do computador com uns frescos 19 anos, preocupada com a universidade e com os treinos que dou. A vida corre bem, estou a estudar algo de que realmente gosto, mesmo que tenha crises e que me desmotive por notas azedas ou por stress próprio da vida académica. Dou treinos do desporto que mais gosto no âmbito de uma actividade extra curricular que está cada vez mais próximo de ser um clube federado e estou a transmitir o meu amor pelo desporto a crianças que querem aprender e querem saber aquilo que eu tenho para lhes ensinar. Sei dar valor ao trabalho dos treinadores com quem vim a trabalhar ao longo dos anos em que joguei e agora sim, sei louvar-lhes a paciência e sei agradecer-lhes toda a dedicação que eles metiam todos os dias para três treinos semanais e um jogo ou dois por semana. Passei de pseudo jogadora, a pseudo seccionista, a pseudo treinadora e gostei de fazer tudo, fiz o físico, o burocrático e agora, de certa maneira, o pedagógico. Rodeei-me de pessoas de que realmente gosto, embora seja especialmente selectiva em relação às pessoas a quem escolho dedicar o meu tempo, visto que cada vez mais me convenço de que não vale a pena dar-me com as pessoas e fingir gostar só para parecer bem. Continuo a sentir imensas saudades das pessoas com quem passo menos tempo, que cruelmente são as pessoas com quem eu mais quero estar, mas fico imensamente feliz por me rodear de pessoas em quem confio e que me incentivam a lutar, que me congratulam quando bato objectivos e quando abro novos horizontes.
Aos 19 anos, publiquei um livro online, mesmo que não seja nada do outro mundo, Estou no ensino superior como milhares de outras pessoas da minha idade, mas para além de estudante universitária, acho que posso dizer que sou muito mais do que isso. Aventurei-me a ir sozinha para um país que não conhecia, só porque queria saber orientar-me sozinha. Perdi-me, encontrei-me, tive imensas dificuldades em comunicar com pessoas que não sabiam falar mais nenhum idioma sem ser o materno, mas guardo a experiência e as pessoas que me acolheram na sua casa durante uma semana, que me levaram a passear quando puderam, que se esforçaram como podiam para que eu me sentisse em casa, mesmo estando tão longe. Ainda hoje lhes agradeço a experiência de me deixarem ficar com eles e de me aconselharem sobre onde ir, onde comer, onde me sentar para ler um livro, por me darem tudo, não exigindo nada sem ser um "obrigada" e um sorriso no final dos dias em que lá estive.
Aventurei-me, fui espontânea, tracei novos objectivos para mim própria para me desafiar e para fazer com que cada dia fosse interessante e foram,
Mas as coisas nem sempre podiam ser um mar de aventuras, não é?
De uma maneira meio satírica, acho que fui ficando mais forte através do mesmo método que certos praticantes de artes marciais usam. Fui levando tanta cacetada, que me fui fortalecendo e, ao mesmo tempo, comecei a ser capaz de me defender dos ataques que se foram seguindo.
Disseram-me que eu não valia nada, disseram-me que ninguém ia gostar de mim por causa do meu corpo e porque era chata, aborrecida, isto e aquilo. A pessoa de quem eu mais gostava disse-me essas coisas e eu calei e comi, mas fico tão contente quando penso que hoje não seria assim e que hoje já não aceito essas coisas... era pequena, aceitei coisas que ninguém deve aceitar e se calhar por medo de perder mais coisas quando já tinha perdido tanto, num espaço tão curto de tempo.
É cliché, não é? Dizer que aprendemos com os erros e que não vamos cair nas mesmas coisa outra vez, mas certas coisas merecem cair nesse buraco. Certos erros imploram para não serem cometidos outra vez e estes são especialmente perigosos,
Porque mesmo que eu não esteja completamente satisfeita com a minha imagem corporal, tenho que pensar que não vou gostar de mim porque tenho meia dúzia de que quilos a mais? Que me perdoem as vulgaridades, mas os quilos a mais que se fodam, porque sei que sou muito mais do que isso. Sei que a pessoa que me disse essas coisas continua a achar que nunca me disse nada de errado, que tudo o que disse foi culpa minha e eu vou deixar essa pessoa acreditar no que quer, mesmo correndo o risco parecer ter algum complexo de superioridade. Não vou viver em amargura e em azedume o resto da vida por causa de palavras vindas de uma pessoa que sentia a necessidade de me rebaixar para se erguer e sentir que pelo menos estava melhor do que eu.
Briguei, mesmo que uma ou duas vezes, conformei-me e calei-me para não criar conflitos desnecessários, falei quando não queria, calei-me quando não devia. Deixei escapar oportunidades de dizer o que sentia, deixei escapar oportunidades de dizer "amo-te" a quem realmente merecia ouvir isso (e ainda merece, eu é que me convenci de que é tarde demais), mas se não fosse assim, como é que seria?
Se não tivesse tropeçado tantas vezes desde desse verão em que tinha 14 anos, que tipo de projecto de pessoa seria eu? Será que era forte como acho que sou, ou continuava a ser uma pessoa fraca que não se conseguia defender? Será que acabava por ter as mesmas oportunidades, será que acabava por conhecer as mesmas pessoas e acabava por sentir as coisas maravilhosas que senti, por saber quando confiar? Não acertei sempre, é verdade, mas abri portas a tantos sentimentos novos, a tantas sensações que desconhecia, aprendi a olhar para as coisas com outros olhos e a encontrar beleza nas coisas mais peculiares.
Entrando novamente no clichés, todos os erros que cometi, fizeram de mim a pessoa que sou. Mesmo que não seja o modelo padrão, mesmo que não seja a melhor coisa do mundo, não é assim tão mau, não é? Umas vezes capaz de impedir que cometam os mesmos erros que eu, mas recentemente aprendendo que às vezes as pessoas tem mesmo que bater com a cabeça na parede.
Aprendi a gostar das pessoas de uma maneira diferente, se calhar porque me tornei mais selectiva, aprendi a ouvir melhor e a falar mais também, porque realmente precisava. Aprendi a valorizar de uma maneira diferente as pessoas que chegam ao final do dia e me perguntam "Então, como foi o dia?" com um interesse genuíno em ouvir aquilo que tenho para dizer...

E mesmo assim às vezes arrependo-me de não poder retribuir o favor e ouvir mais.

Enfim...

Clichés.


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